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Sergio Torres Teixeira
Doutor em Direito. Professor Adjunto da FDR/UFPE e UNICAP. Diretor da ESMATRA. Desembargador do TRT6. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.
Endereço eletrônico: sergiotteixeira@uol.com.br
Shynaide Mafra Holanda Maia
Especialista em Direito Previdenciário. Professora de Direito Previdenciário e Trabalhista da ESMATRA. Advogada.
Endereço eletrônico: shynaide@smafra.com.br
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo analisar de forma exploratória a incompatibilidade entre o direito à existência e as mulheres após a EC 103/19, por meio de estudo analítico transversal, com análise documental e revisão bibliográfica, demonstrando com base em dados estatísticos que o novo modelo de previdência social impactará negativamente na manutenção de uma vida digna para as mulheres, posto que os benefícios previdenciários se tornarão inacessíveis e inatingíveis. No bojo do estudo serão apresentadas as normas previdenciárias previstas originalmente na Constituição de 1988, bem como as modificações introduzidas pela EC 103/2019. Também serão demonstrados os dados estatísticos relacionados às concessões de benefícios previdenciários concedidos às mulheres, bem como a idade mínima para atingimento desses requisitos demonstrando como a Emenda Constitucional nº 103/19 modificou profundamente o sistema de aposentação das mulheres no Brasil, interferindo diretamente na sua sobrevivência, uma vez que alterou a idade mínima de acesso à aposentadoria de 60 anos para 62 anos; mudou regras de concessão da pensão por morte e acúmulo de benefícios, além de aumentar o tempo e contribuição para acesso ao benefício integral de 30 anos para 35 anos.
Palavras-chave: Nova Previdência. Existência. Mulher. Aposentação.
ABSTRACT
This article aims to analyze in an exploratory way the incompatibility between the right to existence and women after EC 103/19, through a cross-sectional analytical study, with documentary analysis and bibliographic review, demonstrating based on statistical data that the new The social security model will have a negative impact on maintaining a dignified life for women, since social security benefits will become inaccessible and unattainable. Within the study, the social security rules originally foreseen in the 1988 Constitution will be presented, as well as the changes introduced by EC 103/2019. Statistical data related to the granting of social security benefits granted to women will also be demonstrated, as well as the minimum age for reaching these requirements, demonstrating how Constitutional Amendment 103/19 profoundly changed the retirement system of women in Brazil, directly interfering in their survival , since it changed the minimum age for accessing retirement from 60 years to 62 years; changed pension grant rules for death and accumulation of benefits, in addition to increasing the time and contribution to access the full benefit from 30 years to 35 years.
Keywords: New Social Security. Existence. Woman. Retirement.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Origem da Proteção Social. 3. Dignidade da Pessoa Humana e Direito à Existência. 4. Dados Estatísticos. 5. Nova Previdência e a Emenda Constitucional 103 de 2019. 6. Conclusões. Referências.
- INTRODUÇÃO
O ano de 2019 iniciou-se com o anúncio, em meados de fevereiro, da tão esperada reforma da previdência, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 06/19. O projeto originário do Governo do Presidente Jair Bolsonaro, representado pelo Ministro da Economia Paulo Guedes, tinha como principal pilar impor o regime de capitalização, reduzir o valor do benefício de prestação continuada; cominação de contribuição ao trabalhador rural e idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos para homens e mulheres, além de tempo mínimo de 20 (vinte) anos para ambos os sexos. Após várias discussões e muitas audiências públicas, a PEC 103 de 2019 sofreu alterações, mais especificamente, “desidratações”, como pontua o Ministro Paulo Guedes que desejava economizar um trilhão de reais em 10 anos com a reforma da previdência.
Aparadas algumas arestas, a Nova Previdência, agora denominada, Emenda Constitucional nº 103 de 2019, promulgada em 12/11/19, impactará a sociedade brasileira profundamente, afetando especialmente as mulheres.
Pretende-se, assim, discutir se modificações cruciais apresentadas na proposta de emenda à constituição, formulada em 2019, afetará de forma profunda o direito à existência das mulheres brasileiras.
A temática é atual, pois, muito embora, o discurso do Governo seja de que existe igualdade entre homens e mulheres, os dados estatísticos vão em sentido diametralmente oposto, deixando claro que o índice de participação econômica e oportunidades para as mulheres é de 64%, conforme Fórum Econômico Mundial de 2018, e que, no ritmo de 2018, o Brasil demore 202 anos para alcançar a igualdade econômica entre mulheres e homens.
A discussão do tema é de suma importância, porque os segurados que contribuem para a previdência acreditam na contraprestação que receberão no futuro, entretanto, com tantas mudanças profundas e sem a devida compreensão das medidas apresentadas nas propostas de reforma da previdência em 2019, os beneficiários da previdência social encontram-se inseguros sobre os seus direitos e o futuro de suas vidas.
Controverter o assunto, não só no âmbito acadêmico, mas com alcance social, permite o despertar de investigações relacionadas a esta temática, permeadas com approaches multidisciplinares. Oportuniza assim que outras pesquisas enriqueçam e contribuam acerca da adoção de mecanismos de solução para os impactos sofridos pelas mulheres com a reforma da previdência.
Do ponto de vista metodológico, será realizado estudo por meio de pesquisas bibliográfica e documental acerca da temática. Serão analisados os conteúdos existentes em livros, revistas, artigos, publicações especializadas e notícias oficiais publicadas na Internet. Segundo a utilização dos resultados, a pesquisa será pura e terá, como ponto fundamental, a ampliação do conhecimento. A abordagem será quanti-qualitativa, vez que baseada na apreciação, análise, compreensão e observação da bibliografia, dos documentos utilizados e dos dados estatísticos.
Quanto aos objetivos, será descritiva, pois focará na análise e no registro da temática, e exploratória, devido à definição que se dará aos objetivos e à busca de maiores informações sobre o tema. Por fim, será utilizado o método hipotético-dedutivo, já que, mediante a atual conjuntura da posição da mulher frente o mercado de trabalho, além da ausência de políticas inclusivas, tentar-se-á projetar cenários futuros de como o novo modelo de previdência social impactará negativamente na manutenção de uma vida digna para as mulheres, posto que os benefícios previdenciários se tornarão inacessíveis e inatingíveis.
Assim, na segunda seção deste artigo, explanar-se-á sobre a origem da proteção social no mundo e Brasil, desde sua origem no seio familiar a criação dos sistemas de previdência atuais, oportunidade em que restará demonstrado que o estado de bem-estar social tão propagado mundo a fora nunca se efetivou concretamente no Brasil.
Na terceira seção, será abordado o conceito de dignidade da pessoa humana, fazendo uma digressão desde a famosa Declaração Universal dos Direitos do Homem até a Constituição Federal de 1998, centrando a discussão sobre os direitos fundamentais.
Na quarta seção, serão apresentados os dados estatísticos colhidos da base do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, mais precisamente a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua (PNAD), a qual revela que o envolvimento das mulheres na atividade produtiva mesmo tendo apresentado crescimento nos últimos anos, é menor do que o dos homens, que, em relação aos rendimentos oriundos de trabalhos formais ou informais, a remuneração média dos homens era 28,8% superior à das mulheres, entre outros dados que serão oportunamente destacados.
Por fim, será discutido se a implementação das medidas cruciais da reforma, tais como aumento da idade mínima da mulher de 60 (sessenta) para 62 (sessenta e dois) anos de idade; aniquilamento da aposentadoria por tempo de contribuição; restrição ao benefício de pensão por morte, bem como restrição à acumulação de aposentadoria com pensão, possivelmente afetarão o direito à existência da mulher e aumentarão a pobreza dessa população.
- ORIGEM DA PROTEÇÃO SOCIAL NO MUNDO E NO BRASIL.
Desde os primórdios da humanidade existe a preocupação constante com os infortúnios da vida, podendo-se afirmar que a proteção social nasceu, verdadeiramente, na família, posto que o cuidado aos mais idosos e incapacitados era responsabilidade dos mais jovens e aptos para o trabalho. A Igreja assumiu esse papel durante anos e, somente com a edição da Lei dos Pobres, no século XVII, o Estado assumiu alguma ação concreta. (IBRAHIM, 2015).
O surgimento da proteção social foi amplamente influenciado pela sociedade industrial, na qual a classe trabalhadora era dizimada pelos acidentes de trabalho, mão de obra infantil, alcoolismo, entre outros (BONAVIDES, 1996).
Inclusive, a primeira legislação a tratar do tema acidente do trabalho foi a alemã, em 6-7-1884, por intermédio de Bismarck. Estabeleceu-se ampla definição de acidente de trabalho, incluindo o ocorrido no curso do contrato de trabalho. Havia assistência médica e farmacêutica. Determinava-se o pagamento de um valor pecuniário para compensar o fato de que o empregado iria ficar sem receber salário, assim como assegurava-se auxílio-funeral, caso ocorresse o acidente fatal. O empregado recebia uma prestação correspondente a 100% de seu salário enquanto durasse a incapacidade. Paga-se pensão em caso de morte. Em seu primeiro momento o seguro era feito mutuamente e depois garantido pelo Tesouro alemão. A lei era aplicada apenas às indústrias que tinham atividades perigosas, estabelecendo-se também um sistema de normas de segurança no trabalho (AMADO, 2019).
Em 1935, nos Estado Unidos, surgiu o Social Security Act, com abrangência mais ampla que os antigos sistemas de seguro social, maior cobertura de pessoas e necessidades sociais (IBRAHIM, 2008).
O modelo bismarckiano criado em 1883 na Alemanha é implantado se assemelhando mais ao seguro social, havendo contribuição doo trabalhador, empregador e do Estado, mas somente em 1942, na Inglaterra, com a elaboração d plano Beveridge, passou-se a um conceito mais amplo (HORVATH JÚNIOR; ARAÚJO; MELO NETO, 2020).
A partir dos sistemas Beveridge e Bismarckiano, tem-se os pressupostos históricos os quais permitiram a formação teórica plena do Welfare State. Importante destacar que os países que em que o Welfare State mais se desenvolveu, também tiveram crescimento de sua economia. (GOMES, 2006).
O Brasil seguiu a mesma lógica mundial, tendo as primeiras formas de proteção social no seio familiar, até a implementação das políticas intervencionistas do Estado. No período colonial foram fundadas as Santas Casas de Misericórdia, passando-se as Irmandades de Ordens Terceiras até o Plano de Beneficência dos Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha em 1795. Seguindo a evolução, em 1923, foi editada a Lei Eloy Chaves, considerada como marco inicial da previdência social no Brasil. (LAZZARI et. al, 2014).
A Constituição de 1934, ainda de forma tímida, foi a primeira a tratar da matéria relativa à proteção social. Já a Constituição de 1946, ficou de forma clara e objetiva a distribuição das competências normativas em matéria de previdência social. Em 1960 foi aprovada a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, unificando a legislação, os benefícios e serviços do sistema social. (BALERA, W. D`AVILA FERNANDES, T, 2015).
Seguindo a linha cronológica da evolução da proteção social, observa-se que a Constituição Federal de 1988 seguiu a mesma lógica mundial e previu um Estado do Bem-Estar Social, sendo a previdência social consagrada como direito social e a aposentadoria como direito dos trabalhadores (ANFIP, 2017).
A ideia de proteção social é intimamente atrelada aos princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana e de justiça social. Como política social, a seguridade social tem como elemento constitutivo a igualdade material, guardando potencialidade de propiciar subsistência digna com desenvolvimento social e humano. Dessa maneira, um sistema de proteção social objetiva, não apenas a estabilidade individual, mas sim o equilíbrio social e o interesse coletivo. (SAVARIS, 2018).
- DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DIREITO À EXISTÊNCIA
A evolução do conceito de dignidade da pessoa humana data de 1948 com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo artigo 1º expõe: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e consciência devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”
Na Constituição Federal, o princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no caput do artigo 5º e tem como pressuposto a vida e, como consequências, a segurança, propriedade, liberdade e igualdade.
Importante destacar que uma vida digna depende da existência dos direitos sociais que devem ser providos pelo Estado. A Constituição Federal, prevê, no caput do artigo 6º, que “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (…)”. Tais direitos, bem como o “(…) direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (…)”, previsto no artigo 225, caput, também da Constituição, podem representar o mínimo existencial que todo cidadão deveria desfrutar através da ação positiva do Estado. (LEITE, 2014).
A despeito de ser complexo traduzir em palavras o que seria uma vida digna, é plenamente possível visualizar quando um indivíduo tem sua dignidade ferida. Doutra banda, o significado de mínimo existencial não é dimensível, pois envolve muito mais aspectos qualitativos do que quantitativos. (QUEIROZ; PRADO, 2017).
Raventós defende que o direito à existência, normativa e tecnicamente, consiste na implantação de um subsídio universal garantindo a renda básica. Para o autor, a renda básica, consiste em uma renda incondicionalmente garantida por o Estado a todos os cidadãos que se caracteriza: 1) ser universal, 2) se recebe independentemente de outras fontes de renda e, 3) não requer contraprestação alguma (ZICCARDI, 2007).
Importante ainda destacar que os benefícios previdenciários são a única fonte de renda de milhares de famílias em todas as regiões do Brasil, evitando fome e desnutrição, além de retirar um sem número de cidadãos da situação de miserabilidade. Assim, a Previdência Social, enquanto política pública, integra um conjunto de soluções para um projeto de cidadania, entre eles o de redução da pobreza, sendo importante também na movimentação econômica dos municípios, vez que sustenta o consumo gerando renda e desenvolvimento. (SOLÓN, 2019).
- DADOS ESTATÍSTICOS
Estudos divulgados pelo IBGE apontam que a pobreza no Brasil aumentou entre 2016 e 2017, conforme dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS) demonstram abaixo: (SOLÓN, 2019).[/vc_column_text][vc_single_image image=”1794″ img_size=”full” alignment=”center” onclick=”zoom”][vc_column_text]Destaca-se ainda o panorama da proteção previdenciária da população ocupada com idade entre 16-59, dados de 2017. (SOLÓN, 2019).[/vc_column_text][vc_single_image image=”1795″ img_size=”full” alignment=”center” onclick=”zoom”][vc_column_text]E mais, segundo dados do Fórum Econômico Mundial de 2018, o Brasil se encontra na 95ª posição do índice global, entre os 149 países avaliados, na participação política e econômica das mulheres; o índice de participação econômica e oportunidades para as mulheres é de 64%. Estima-se que, no ritmo de 2018, o Brasil demore 202 anos para alcançar a igualdade econômica entre mulheres e homens.
De acordo com a PNAD do 4º trimestre de 2018, o envolvimento das mulheres na atividade produtiva mesmo tendo apresentado crescimento nos últimos anos, é menor do que o dos homens. A taxa de participação dos homens no mercado de trabalho era de 71,5%; e, das mulheres, de 52,7%. As mulheres estão em ocupações menos valorizadas socialmente do que os homens, concentrando-se nas áreas de educação, saúde e serviços sociais (21%), comércio e reparação (19%) e serviços domésticos (14%) – atividades que se caracterizam como extensão do trabalho doméstico não remunerado (limpeza, educação e cuidados).
Em relação aos rendimentos oriundos de trabalhos formais ou informais, a remuneração média dos homens era 28,8% superior à das mulheres. Em algumas áreas onde as mulheres são maioria – como educação, saúde e serviços sociais – essa diferença é ainda mais acentuada: a remuneração masculina era 67,2% maior do que a feminina.
Do total de mulheres ocupadas, 23,3% trabalhavam sem carteira de trabalho e 23,9% estavam em atividades por conta própria ou auxiliares da família, ou seja: quase metade (47%) das mulheres inseridas no mercado de trabalho não possuía registro em carteira, o que dificulta a contribuição previdenciária.
E mais, os valores dos benefícios pagos às mulheres são, em média, inferiores aos valores pagos aos homens. Em 2017, o valor médio dos benefícios ativos no RGPS para o conjunto dos beneficiários foi equivalente a R$ 1.336,29. O valor médio pago aos homens foi de R$ 1.516,29; e às mulheres, de apenas R$ 1.153,83 – uma diferença de 31% e inferior à média nacional.
Avulta-se ainda que, em função das constantes saídas da mulher do mercado de trabalho, a aposentadoria por idade é a modalidade mais comum entre as trabalhadoras, em razão da dificuldade para acumular o tempo mínimo exigido para a aposentadoria por tempo de contribuição.[/vc_column_text][vc_row_inner][vc_column_inner width=”1/2″][vc_single_image image=”1798″ img_size=”full” alignment=”center” onclick=”img_link_large”][/vc_column_inner][vc_column_inner width=”1/2″][vc_single_image image=”1799″ img_size=”full” alignment=”center” onclick=”img_link_large”][/vc_column_inner][/vc_row_inner][vc_column_text]Segundo dados do INSS, as aposentadorias femininas concedidas em 2014 revelam que as mulheres tiveram, em média, 22,4 anos de contribuição. Considerando-se apenas a aposentadoria por idade, 50% das mulheres que acessaram esse benefício comprovaram, em média, apenas 16 anos de contribuição. Dados estatísticos do IBGE demostram percentil de 22,5 pessoas entre 40 a 59 anos de idade desocupados. De outra banda, demonstra mais de 50% de mulheres desocupadas, contra pouco mais de 40% de homens.[/vc_column_text][vc_single_image image=”1800″ img_size=”large” alignment=”center” onclick=”img_link_large”][vc_separator][vc_single_image image=”1801″ img_size=”large” alignment=”center” onclick=”img_link_large” css=”.vc_custom_1589489731141{margin-top: 5px !important;}”][vc_column_text]Importante ressaltar que a desigualdade ente homens e mulheres é mundial, entretanto os países nórdicos são aqueles que ocupam as primeiras posições do ranking, havendo maior paridade na Islândia, Noruega, Suécia e Finlândia. Entre as 20 maiores economias do mundo, a França lidera a lista, no décimo segundo lugar, seguida pela Alemanha (14), Reino Unido (15), Canadá (16) e África do Sul (19).
Na França, além de haver mais igualdade entre homens e mulheres, muitas medidas de políticas públicas que afetam a taxa de participação dos trabalhadores mais velhos foram adotadas de 1993 a 2003, principalmente no contexto das leis de reforma previdenciária e leis de financiamento da previdência social (LFSS). Essas medidas visavam principalmente reduzir a idade da aposentadoria (ao mesmo tempo em que abriam as margens de escolha e consideravam carreiras longas e restrições de dificuldades), além de restringir esquemas de incentivo e cessação precoce da atividade. Da mesma maneira, diversos países europeus reformaram suas previdências, ao tempo que fomentaram a geração do emprego, algo que não aconteceu no Brasil. Ao revés, implementou-se um projeto de maior precarização do trabalho, por meio do contrato verde e amarelo, Medida Provisória 905, a qual prevê isenção de pagamento de contribuição previdenciária, deixando esse trabalhador à míngua da proteção social.
- NOVA PREVIDÊNCIA E A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103 DE 2019.
A Emenda Constitucional nº 103 de 2019 prevê o aumento da idade mínima de aposentadoria por idade das mulheres do setor urbano, de 60 (sessenta) para 62 (sessenta e dois) anos, além do aumento do tempo de contribuição para acesso ao benefício integral, de 30 (trinta) anos para 35 (trina e cinco) anos.
Nas regras de transição haverá idade mínima para concessão da aposentadoria por tempo de contribuição de forma progressiva, com idade inicial de 56 (cinquenta e seis) anos, recebendo um acréscimo de 6 (seis) meses a cada ano, até 2031 quando alcançará 62 (sessenta e dois) anos, momento em que findará a aposentadoria por tempo de contribuição.
Outro assunto de muita relevância, é a forma de cálculo, posto que para cada ano de contribuição que ultrapasse os 15 (quinze) anos exigidos para mulher, será acrescentado 2% (dois por cento) ao valor do benefício. Dessa maneira, para alcançar 100% (cem por cento) do benefício, as mulheres precisarão da marca inatingível de 35 anos de tempo de contribuição.
A pensão por morte também afetará profundamente as mulheres uma vez que são elas as maiores favorecidas desse benefício, totalizando 83% dos que recebem pensão por morte do INSS, segundo o Anuário Estatístico da Previdência. Entre as pensionistas, 71% (setenta e um por cento) têm 60 (sessenta) anos ou mais.
Destaca-se que a pensão por morte até antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 103/19 correspondia a 100% (cem por cento) do valor, havendo possibilidade de reversão das cotas, após perda do direito pelos beneficiários. Note-se que, a partir de 13/11/2019, esse valor será de 50% (cinquenta por cento) do valor do benefício do cônjuge falecido, com acréscimo de 10% (de por cento) por dependente, até alcançar os 100% (cem por cento).
Dessa maneira, para recebimento de 100% (cem por cento) do valor do benefício será necessário remanescer cinco ou mais dependentes ou, em caso de deficiência física ou mental de algum deles, destacando que perdido o direito às cotas não haverá reversão em favor dos demais beneficiários.
As alterações acima descritas dificultarão ou, até mesmo impedirão o acesso das mulheres aos benefícios previdenciários, ofendendo diretamente o sistema de proteção social, notadamente a dignidade da pessoa humana, posto que não garantirá o mínimo existencial previsto na Constituição Federal. Aprofundam ainda mais a distinção de gênero, eis que as disparidades de rendimentos demonstram que a dependência com relação aos homens ainda persiste.
Como se não bastasse, a EC nº 103 de 2019 prevê a impossibilidade de acúmulo integral das pensões e aposentadorias (atingindo as mulheres mais velhas, viúvas), diminuindo sensivelmente o valor desse benefício.
Por fim, importante destacar que existe uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC n° 133 de 2019), em tramitação na Câmara dos Deputados, cuja propaganda foi de que seria aprovada em concomitância com a EC 103 de 2019, amenizando diversas crueldades da reforma propostas. A PEC em discussão poderá amenizar a regra de transição da aposentadoria das mulheres; resguardar o direito ao salário-mínimo, quando o benefício de pensão por morte representar a única fonte de renda, bem como prevê regra de transição relativa à forma de cálculo dos benefícios, estabelecendo proporcionalidade da regra de descarte dos 20% das menores contribuições e contagem dos 80% maiores salários de cpntribui8ção previstos na legislação anterior.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Os elementos examinados revelam a evolução estrutural da previdência social, das suas origens à contemporaneidade e proposições para o futuro, evidenciando o quão profundas são as alterações promovidas pela EC 103/2019 e os seus impactos na vida das mulheres brasileiras.
Primeiramente observa-se que a questão previdenciária nunca foi estudada a sério, havendo mudanças pontuais sempre que um grupo político diferente alcança o poder. Não há um estudo técnico sobre os impactos das alterações propostas a médio e a longo prazo, de maneira que, em linhas gerais, as reformas são mal elaboradas. Não raras vezes nas discussões recentes sobre a reforma da previdência observou-se políticos se referindo ao benefício de prestação continuada como sendo aposentadoria, explanando sobre aposentadoria especial, sem saber discorrer sobre agentes insalubres ou periculosos. Difícil acreditar que os deputados e senadores tenham aprovado a Emenda Constitucional nº 103 de 2019, uma das reformas mais profundas na previdência social brasileira, sabendo do real impacto das mudanças propostas.
Como discutido amplamente, a realidade da mulher brasileira, infelizmente, ainda é bastante dessemelhante dos países desenvolvidos, havendo um grande abismo social entre homens e mulheres, não obstante líderes do Governo aleguem que essa diferença restou superada nas gerações atuais (s.i.c).
Segundo os dados estatísticos apresentados serão necessários aproximadamente dois séculos para atingimento da tão sonhada equiparação entre homens e mulheres no Brasil, de maneira que os Governos não podem olvidar da necessidade de implantação imediata de políticas para correção destas distorções, o que não se observou até a presente data.
Note-se que os países escandinavos encabeçam a fila dos mais bem colocados quando se trata de igualdade de gêneros, estando a França e Alemanha bem assentadas no cenário mundial. Nesse ponto, vale relembrar que os países que melhor fizeram uso do Welfare State também foram os que melhor se desenvolveram economicamente e socialmente. Ao contrário do que acontece nos países acima descritos, o Brasil nunca estabeleceu o Estado de Bem-Estar Social por completo, mesmo com Constituição de 1988 assegurando diversos direitos sociais, o bem-estar social por aqui diverge bastante dos países desenvolvidos.
E mais, as políticas de proteção social envolvem a subsistência e manutenção da dignidade do ser humano em períodos de em que este tem redução ou perda de sua capacidade laborativa, necessitando da previdência social para manutenção de seu poder aquisitivo a fim de prover a si e aos seus dependentes.
Considerando os dados estatísticos e as alterações propostas pela Emenda Constitucional n° 103 de 2019 clarividente que o acesso das mulheres aos benefícios previdenciários restará prejudicado em função do aumento da idade mínima de 60 anos para 62 anos; elevação do tempo de contribuição para aposentadoria integral de 30 anos para 35 anos; além da diminuição do valor da pensão por morte e impossibilidade de cumulação integral de das pensões e aposentadorias.
Não houve desenvolvimento de soluções para manutenção da mulher no mercado de trabalho, nem tampouco políticas de igualdade salarial, ao contrário do que aconteceu nos países europeus, que elaboraram artifícios paralelos para fomento de emprego.
Observa-se, pois, que o caráter social, intrínseco a Previdência Social foi abandonado pelo Governo que fez uma leitura meramente econômica, ofendendo o direito à existência digna da mulher e prejudicando toda a sociedade brasileira, posto que as consequências maléficas das alterações de hoje serão perpetuadas em toda sociedade pelos anos vindouros, quando ter-se-á uma legião de pobres à mingua da proteção social.
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